Amores Plurais


Carol Bortolo

Tudo começou com o Chico. Ah, o Chico… Tinha um olhar de menino que me deixava boba e derretida por suas palavras.

Depois veio a Selma. Ela era um flerte do meu inconsciente que após duas garrafas de vinho virou uma noite consciente e inesquecivel.

Ai veio o Miguel. Tantos passeios de carro com o Miguel. Tantas trocas, tantos olhares, tantas mãos na coxa pela estrada afora e pelos nossos corações adentro.

Foi então que conheci a Débora. Seu ato de amor era cozinhar. Ficamos meses ludibriadas com o amor que nascia na cozinha daquele apartamento na beira-mar de Maceió.

Um dia apareceu o Rubens. Ele tinha um colo aconchegante e eu esqueci de mim por semanas em seus abraços.

O Pedro me ofereceu uma cerveja em um bar e eu, que nem cerveja bebo, aceitei a gentileza e o deixei entrar, e ficar, e me amar pela eternidade daquela noite em Belo Horizonte.

O Lucas era puro prejuízo. A gente ia sempre no cinema, mas a gente nunca via filme nenhum. Nossas bocas não se descolavam - e isso era um fenômeno que físico nenhum consegue explicar.

A Federica era cheia de graça. Eu olhava pra ela e via que a vida era feliz na simplicidade da sua existência e na intensidade dos seus beijos, tão vivos quanto sua alma.

A Milena foi daora. Me via comprando a coca zero com o pão de queijo toda semana enquanto abastecia o carro e um belo dia me disse “Não precisa pagar não, senhora”. Surpresa, respondi “Como não? Eu pago sempre!” e ela, com um sorrisinho maroto de canto, falou “Pode ser com um beijo hoje, então”. Foi melhor que PIX.

O Jeff foi um erro, com certeza. Um erro com 1,90 e olhos tão azuis que me faziam navegar pelo mar sem fim das suas mentiras. Quem nunca errou, não é mesmo?

O Thiago me levou pra sambar na Pedra do Sal naquela noite quente que só o Rio de Janeiro tem. Tão quente aquele asfalto, tão quente aquela brisa, tão quente aquele quarto de hotel.

A Aiofe era calma, romântica, cheia de sonhos. Compartilhou alguns comigo e eu pensei - mas nunca lhe contei - sobre o quanto a sua inocência a protegia e a prejudicava em um mundo como o nosso.

A Aline era o oposto, ela era um furacão. Eu sabia só de olhar, mas suas tatuagens e sua pegada fogosa já tinham me contado tudo no momento em que a gente se fundiu naquele corredor em Miami, sem nunca termos trocado uma palavra sequer.

O Borja tinha aquele jeito latino-europeu que era, ao mesmo tempo, um charme e uma graça. A cada encontro ele surgia com uma nova história, uma nova ideia e uma nova posição. Ao total foram 15 planos para conquistar o mundo e muitas - muitas mesmo! - páginas do k@masutr@.

O André era doce, livre e cheio de afeto. Era tão fácil existir ao seu lado, que passei a vida inteira ali, lhe dando a mão e lhe observando voar enquanto descobria o tamanho e a força de suas asas.

O Daniil, tão moço e tão raivoso por fora, foi a descoberta mais profunda e verdadeira que vivi dentro de mim. Deitada ao seu lado na grama molhada, eu observava o brilho do céu enquanto ele me contava das lembranças de seus avós russos sobre a Guerra Fria e eu pensava na ironia que era a vida ao nos colocar ali, em pleno território americano, para nos amarmos sob a luz de um luar que iluminava a todos.

Cada personagem que existe em nós percebe e sente a vida de forma única. Movidos por diferentes emoções, eles têm o potencial de criar uma conexão singular no mundo e serem acolhidos de múltiplas maneiras por nossas relações.

Se estivermos atentos, somos capazes de viver infinitos amores em uma vida, porque todas as versões de nós, por piores ou melhores que sejam, são merecedoras de amor e capazes de amar.

Quando as peças que vivem em nós se encaixam nas peças que vivem nos outros, completamos mais um pedacinho do quebra-cabeça da (in)completude da vida.

A cada novo encaixe percebemos mais quem somos, o que queremos e porquê estamos aqui (e não, não é à passeio).

A imagem final? Um auto-retrato. Quando entendemos nossa pluralidade, permitimos que os amores plurais finalmente nos formem - pelo tempo que for e da forma que for - e nos completem.

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Carol Bortolo

E-mail: acarolbortolo@gmail.com

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