Nunca te contei


Carol Bortolo

Nunca te contei que eu adorava seu jeito de andar, sempre calmo, ao meu lado.

Nunca te contei que sonhei por muito tempo com a possibilidade de um dia darmos a mão ao atravessar a rua.

Nunca te contei que seu cheiro ficava na minha blusa e eu passava dias e dias a cheirá-la esporadicamente para te sentir perto quando a gente estava longe.

Nunca te contei que comprei aquele batom porque sabia que ele se tornaria o seu favorito.

Nunca te contei que achava lindo como você pegava os hashis com os dedos trocados.

Nunca te contei que seu olhar era um deslumbrante mar aberto de possibilidades e de histórias sem fim.

Nunca te contei que enrolar seus cachos nos meus dedos era a minha meditação preferida.

Nunca te contei que salvei, em um doc, todas as suas piadinhas ruins para nunca mais me esquecer do seu senso único de humor.

Nunca te contei que, depois de você, o gelatto de pistachio nunca mais teve o mesmo sabor.

Nunca te contei que o livro do Tônio Caetano que me deu acabou se tornando meu livro de cabeceira.

Nunca te contei que, antes de dormir, ficava relendo nossas conversas e rindo sozinha na cama.

Nunca te contei que a playlist que era o nosso Match no Spotify ficou no repeat por anos, e com frequência eu ainda aperto esse play.

Nunca te contei que você protagonizou comigo as histórias mais incríveis que vivi.

Nunca te contei que seu número de celular virou minha senha para tudo.

Nunca te contei que, no dia que você foi embora, chorei tanto no banho que acabei com a água da caixa e, sem forças, fiquei ali, deitada no chão, coberta com a toalha e ensaboada em lágrimas.

Nunca te contei que rasguei as cartas de amor que deixávamos penduradas na porta da geladeira.

Nunca te contei que, quando devolvi a chave do apartamento, o abraço do porteiro foi o que me manteve em pé.

Nunca te contei o quanto gritei de dor dentro da minha própria mente.

Nunca te contei que desisti.

Nunca te contei que, depois de você, tudo perdeu a cor.

Nunca te contei que o tempo devolveu-me os tons de cinza.

Nunca te contei que o espelho devolveu-me os tons de cor.

Nunca te contei que me curei.

Nunca te contei que, depois de você, descobri em mim asas enormes.

E voei, livre, mundo afora.

voltar

Carol Bortolo

E-mail: acarolbortolo@gmail.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Site desenvolvido pela Editora Metamorfose